EM MARACANGALHA TAMBÉM SE MORRE
com gente de Maracangalha, tôda vez que queria passar alguns dias com a segunda mulher (viviam ambas em Salvador), dizia para a primeira: „Eu vou pra Maracangalha, mulher“.
O prefeito convidará Caymmi para fazer as inaugurações
QUANDO descemos do trem da Leste, uma chuva miúda caía na cidadezinha. A lama e os atoleiros indicavam um bom pé-d’água recente. A primeira pessoa que nos indicaram foi o prefeito do município, que vive mais em Maracangalha que na sede: acumula as funções públicas com a de técnico da usina. Encontramo-lo de botas e coberto de barro, pronto para viajar para S. Sebastião. Ao saber de nossa missão, desistiu de ir. Como sentíssemos dificuldades em atravessar certos trechos enlameados, explicou que, em poucos dias, ia iniciar grandes melhoramentos. Já sentados em sua sala de visitas, provando uma legítima cachaça de alambique, o homem finalmente soltou a coisa: pensava em convidar Caymmi para inaugurar as obras, ocasião em que seria prestada uma grande homenagem ao cantor de Maracangalha. A idéia tomou corpo e tôda a vila está animada com essa visita do seu herói.
Tipos curiosos e gente valente
MARACANGALHA é como qualquer outra cidadezinha do interior, com a igreja, a escola, o campo de futebol, um mercado e a rua principal. É pena que nada mais encontremos dos tempos coloniais. Nenhuma construção, nenhuma reminiscência. Até a casa do senhor de engenho, tôda reformada, não adianta de muito tempo. Tem uns 70 anos. É a habitação mais antiga. Explicaram-nos: a grande maioria das construções era de palha e foi substituída. Do velho engenho, não ficou nada. No seu lugar, ergueu-se a usina.
Restava-nos conversar com os moradores mais velhos. Da mesma forma, suas histórias retrocedem pouco no tempo. Há, entretanto, tipos curiosos e a crônica da gente valente, da capoeira e do candomblé. Porque ali era centro de mestres da capoeiragem e de pais-de-santo famosos, ficando êstes mais afastados, em Cassaracongo [5 quilometros de Maracangalha – velhosmestres.com], lugar em que só vivia um prêto retinto.
Os mais antigos de Maracangalha são famosos. Bertolino Pereira de Lima, mulato escuro, já na casa dos 70, é romancista. Nunca publicou um livro. Só se lembra do nome de quatro: „Lente Misteriosa“, „Vida de Lindaura“, „Vida de Marina“ e „O Viajante“. Ficou de voltar para nos mostrar suas criações, mas sumiu e não houve jeito de encontrá-lo. Dionísio Barbosa Brandão, branco, está com 73 anos e é o gerente da usina. Tinha 17, quando viu transformar-se o engenho em usina.
Os dois grandes tipos, porém, são o prêto José Lúcio e Mestre Conrado, aquêle com 70 e êste com 95 anos. Contam-nos que, na década de 30, Maracangalha transformou-se praça de guerra, para enfrentar „cabras“ de um famoso coronel de jagunços do interior baiano. Ambos, na mocidade, foram duros na queda. José Lúcio ainda é um pedaço de negro, que com tôda a idade, mete mêdo a qualquer môço de 20 anos. Mestre Conrado foi discípulo de Compadre Onofre, o grande capoeira do lugar.
Falam pouco, desconfiando da nossa curiosidade. Com jeito, vão soltando a língua. E com orgulho que relatam a morte do famanaz „Besouro“, o mais temido capoeira baiano de tôdas as épocas, rei em Santo Amaro da Purificação: „Foi furado aqui em Maracangalha, num dia de feira agitada [domingo, 6 de julho 1924 – velhosmestres.com]. Acabou seu reinado nesse dia.“
Quem sabe se Anália não será mesmo Amália?
É assim Maracangalha, onde só não encontramos Anália. Mas tivemos notícia de uma mulher viramundo, que não assenta pé em lugar algum. Está com 50 [45 – velhosmestres.com] anos, hoje. Foi, no seu tempo, famosa nos passos de dança, rainha das rodas de samba. Dizem que ainda agora é capaz de uma grande façanha e, mesmo pra lá de balzaquiana, [..] muita cabeça virada. Chama-se Amália [Maria Amália da Cruz, 1911-1992 – velhosmestres.com] e há, em Maracangalha [muita gente que?] acredite seja a Anália do samba de Caymmi.
Ressuscitada Maracangalha, resta ao compositor esclarecer [..] fato a sua Anália é mesmo Amália.