• 114
    Daniel Coutinho
     Mestre Noronha 
    3/ago/1909 - 17/nov/1977









    📻 Velhos Mestres

    M Noronha. Dança de Guerra, 1968
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    • 6.
      Falsidade
      0:45
    • 7.
      Dona Maria
      0:40
    • 8.
      Quebra gereba
      1:29
    • 9.
      Jararaca no cajueiro
      2:29
    • 10.
      Tiririca é faca de corta. Minha toalha rendada
      4:57
    • 11.
      Foi estivadô
      1:24
    • 14.
      Vá dizê ao meu sinhô. Quem quizê piedade. Adi lê lê
      3:26

    M Noronha, 1968



    ABC de M Noronha

    1909 - Nasceu no 3 de agosto no Beco do Girassol, Baixa dos Sapateiros, Salvador filho de José Coutinho e Maria Conceição.

    1917 - Iniciou seu aprendizado na capoeira com M Cândido Pequeno (Cândido da Costa) no Beco de Xaréu. Do mesmo ano descreve uma roda de capoeira na Curva Grande em seu livro.

    1920-s - Com seu irmão M Livino Boca da Barra (Livino Malvadeza) fundou o Centro de Capoeira Angola Conceição da Praia e ensinou no Maciel de Baixo, n° 31, em Salvador.

    1941 - Junto com outros mestres entregou seu Centro Nacional de Capoeira de Origem Angola na Ladeira da Pedra, Gengibirra, em Liberdade a M Pastinha.

    1968 - Participou no filme de Jair Moura chamado Dança de Guerra. Escute as músicas da gravação acima.

    1971 - Deu informação para o artigo de Jair Moura. O artigo Capoeirista de antigamente não „brincava em serviço“ foi publicado em A Tarde, Salvador, 10 de julho [leia abaixo].

    1976 - No 29 de abril completou seu livro chamado O ABC DA CAPOEIRA ANGOLA - Os Manuscritos do Mestre Noronha. Frede Abreu o publicou em 1993.

    1977 - Faleceu no 17 de novembro.

    Galeria de fotos

    • A Tarde. Salvador, 10 jul. 1971
      Capoeirista de antigamente não „brincava em serviço“

    • Leia o texto abaixo

    • Leia o texto abaixo

    • Leia o texto abaixo

    • Arte e meio de defesa da capoeira ainda é cultivada. Os bambas, contudo, estão desaparecendo. Os tempo são outros.
    • A Tarde. Salvador, 10 jul. 1971
      Capoeirista de antigamente não „brincava em serviço“

    • M Noronha
      Acervo de Jair Moura

    • M Noronha, 1976
      Acervo de Kazado Wa Mukuna

    • Em pé:
      Gajé,
      Dimola,
      Noronha,
      Totonho de Maré,
      Tiburcinho,
      Indio do Mercado Modelo,
      João Grande.
      Jogando: João Pequeno e Jair Moura
      Filme Dança de Guerra
      1968
      Acervo de Jair Moura

    • M Pastinha (ao fundo) e M Noronha
      Acervo de Jair Moura

    • M Noronha

    • Capa do livro de M Noronha
      Publicado por Frede Abreu em 1993

    • Capa do disco da trilha sonora do filme Dança de Guerra, 1968

    • página 1

    • página 4

    • página 5

    • página 6

    • página 7

    M Noronha

    Texto

    • página 2

      -

      Capoeirista de antigamente não „brincava em serviço“
      A Tarde. Salvador, 10 jul. 1971
      Jair Moura

      O capoeirista baiano de antigamente não deixava nunca de andar com seu facão „costela de vaca“, ou um afiado „espadim“ (pequena espada, formada de um lámina ponteguada, de um ou dois gumes). Eram seus companheiros inseparáveis. No pescoço não dispensava patuás contendo orações fortes para evitar os maus momentos, acautelando-os do mal. O amuleto, junto a um rosário, também era usado entre o tórax e a axila ambos enfiados num cordão, enlaçando na garganta.

      Vinte relíquias poderiam servir para a composição do patuá: „Pedra d’ara“, „agnus-dei“, „sanguinho“, „calix-bento“, „cera de vela benta“, „leite de N. Senhora“, que era uma pedra alva com uma imagem em um dos lados, „terra da cova de Salomão“ entre outras. O capoeirista que possuia o seu patuá constituindo de qualquer destas substáncias, tinha o poder ou a virtude segundo arralgada crendice, de livrar-se de todos os perigos, tornando-se forte e corajoso, chegando, mesmo, a ter a faculdade de transformar-se em tôco de pau, nas ocasiões que entendesse. A isto chamam os superticiosos, „corpo-fechado“ ou „fechar o corpo“.

      Os amuletos eram usados dentro de bolsas de pano ou de couro, junto a orações fortes, como a „Cinco Salomão“, que em linguagem correta é „Signo de Salomão“ e as iniciais „JMJ“ (Jesus, Maria, José), de prodigiosos efeitos, contra os malefícios, mormente as tramas dos desafetos, morte em combate, etc. A oração da „Arca de Salomão“, muito conhecida dos velhos mestres, era a mais comum entre os capoeiristas. Finalizava assim:

      Fecha-te corpo,
      guarda-te irmão,
      na santa arca de Salomão“

      Capoeirista que usava talismã era conhecido naquele tempo por „cacundeiro“ (mandingueiro). Havia o costume na Sexta-feira Santa de preparar os patuás, contendo fios das vestes dos padres ou o „santo-lenho“ e benzê-los durante a procissão do Senhor Morto, para alcançar a proteção divina.

      Era motivo de orgulho do capoeirista odiar a Polícia. A capoeira era perseguida pelas autoridades, e para „se vadiar“ nessa época era indispensável a licença policial. Quando se celebravam, porém, festejos populares a desejada concessão era dada pelo então Delegado Hanequim Dantas. «Muita ajuda recebi do Cônego Manoel Barbosa, Vigário da Matriz da Conceição da Praia, para ter permissão das autoridades a fim de fazer a brincadeira na festa da Imaculada Conceição», revela o velho Daniel Coutinho, alcunhado de „Noronha“.

      Uma quadra muito cantada na época reflete a revolta do capoeirista contra as medidas repressivas das autoridades:

      Não estudei pra ser padre
      nem também pra ser doutô
      estudei a capoêra
      pra batê no inspetô
      (Côro)
      Ê aquindèrreis!
      Capoêra é bicho farso
      vai ti batê,
      prepar’a barriga
      pr’apanhá!

      Alguns capoeiristas eram protegidos por figuras importantes da sociedade, tinham seus padrinhos, como era o caso de Samuel da Calçada, Tibiririco Focinho de Porco, Sete Mortes, Luís Escalvino, Mansu Valente, temível capoeirista, que com a ponte de sua „bicuda“ (lambedeira), fêz correr um destacamento policial no Cais do Ouro, hoje Praça Deodoro, e Pedro Mineiro, êste último, apontado como capanga do Sr. Álvaro Cova, Chefe de Polícia e protegido do Ex-Governador José Joaquim Seabra.

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      página 3

      Anúm é pássaro prêto
      qui não canta em gaióla
      nem bem dentro
      nem bem fora
      só canta em formiguiro
      quando vê formiga fora

      Estava em minha casa
      Capitão mandô chamá
      para ajudar a vencer
      a guerra contra o Paragui
      quando chegou mandinguêro
      Paraguaí não vale de nada

      Quem quizé peixe gelado
      vá na praia da Preguiça
      qui sordado do exército
      tá acabando com a poliça

      „Noronha“ já exerceu várias atividades na vida: trapicheiro, doqueiro, e trabalha ùltimamente no „Sindicato dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga do Pôrto da Cidade do Salvador“. Foi nomeado no ano de 1939, pelo Capitão Nascimento, que era o agente nesta Cidade, e hoje é Capitão de Longo Curso.

      É casado pela segunda vez. Na primeira, tinha 28 anos, e a mulher morreu de parto. Com a segunda D. Maria Joana Batista Coutinho, que é „Dofana“, na nação de „Kêtu“ cujo orixá é „Iansã“, convive há cêrca de 30 anos. Dêsses matrimônios, teve 3 filhos com a primeira, e 6 com a segunda.

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      página 4

      A periculosidade de Mansu Valente pode ser percebida na musa popular [escuta acima - velhosmestres.com]:

      Quem quizê ter piedade
      vá na grade da cadeia
      onde está Mansu Valente
      na escura sem candeia

      Quanto à vida marcada pela violência, e o desfêcho trágico do desordeiro Pedro Mineiro, vamos encontrar informações em versos cantados na „roda da capoeira“ no decorrer das suas exibições:

      No botequim de Galinho
      era no Largo da Sé
      Pedro Minêro matou marinhêro
      por causa de Maria José
      estava no pôrto da Bahia
      Coraçado Idaban
      e Torpedêra Piaui
      marinhêro insubordinado
      saltou pintando arrelia
      mandaro matá Pedro Minêro
      dentro da delegacia
      (Côro)
      Auê, toma sintido,
      capoêra tem fundamento…
      Aloanguê…
      Aloanguê…

      Capoêra vai ti batê…

      A „Baixinha“, no Taboão, era o local onde se reuniam os valentões de outrora, continua Daniel. Na década de vinte, os piquetes de cavalaria da polícia montada tiveram muito trabalho no combate aos crimes ali praticados, quase todos com golpe de cabeçada de „churuméla“ e navalha.

      Os jornais da época registram êsses acontecimentos da crônica policial de Salvador. Conta A Tarde de 29.1.1915: „Na Praça „15 Mistérios“ o capoeirista Manoel Mendes, vulgo „Manoel Tié“ liquidou a cabeçadas Reinaldo Pereira Lopes“.

      „No lugar chamado „Carvão“, Inácio Loiola de Miranda, engalfinhou-se com o soldado Aristides José de Santana, que sacou do sabre, desferindo, inútilmente, uma série de golpes no desordeiro, que se esquivava, lançando mão dos recursos da capoeira, e acabou prostrando morto o soldado com uma cabeçada (A Tarde 18.12.1916). No Taboão, José Batista da Cruz, apelidado „Guruxinha“, foi atingido por navalhadas aplicadas pelo peixeiro e capoeirista Pedro dos Santos, „Pedro Porreta“, coadjuvado pelo irmão Pedro de Alcântara, „Piroca“. A vítima faleceu posteriormente“ (A Tarde 14.12.1920).

      Entre os bambas da capoeiragem do passado, „Noronha“ lembrou os nomes de Eutiquio das Malhadas, Alfeu Balbúrdia, Felipe Negrão, Zacarias Grande, Bigode de Sêda, Livino Diogo, Hilário Rosa de Viterbo (Bilusca), Antônio das Neves (Maré), Percílio Engraxate, Geraldo Chapeleiro, Geraldo Pé de Abelha, Eduardo Carrocinha, Pedro Agonia, Domingos Ferro Velho, Júlio Cabeça de Leitoa, Negrão Benedito Cão, Cirilo Grande, Amorzinho, que era bom „cabeceiro“ mas gostava da „branca“, e Ricardo Doqueiro, dos quais, alguns ainda estão no rol dos vivos.

      Daniel Coutinho, baiano, nascido na Baixa dos Sapateiros, com quase 70 anos [61, nascido em 1909 - velhosmestres.com], filho de José Coutinho e Dona Maria Conceições, ambos de sangue indígena é um dêles. Ainda menino aprendeu a difícil arte da capoeira, da „solta“ e do „rabo-de-arraia“, com um descendente de negro Angola, o velho Cândido Pequeno.

      Noronha, apesar do pêso dos anos, maneja com desembaraço o „gunga“, (berimbau).

      Daniel recorda que em 2 de fevereiro, no lugarejo denominado „Cabrito“, no Recôncavo, celebrava-se todo ano o culto de Yemanjá. Armava-se um „carramanchão“ (tablado) no adro da Igrejinha e com alegria dos devotos da Santa, a festa começava com samba, batuque, capoeira e se prolongava por três dias. Êstes festejos eram organizados por Galindeu, velho mestre do passado, praticante de ritos africanos, e muito respeitado lá em Cabrito, onde tinha uma grande clientela entre os que adoravam Iansã. Morreu, aos oitenta anos.

      Daniel transfigura-se ao rememorar o passado perdido na bruma dos tempos, e murmura algumas cantigas, que eram entoadas por êle na „roda da vadiagem“, onde o velho mestre unia a barriga ao „gunga“ (berimbau), ao baticum, e ao ronco do „bode“ (pandeiro).

      Tiririca é faca de cortá
      só corta muleque de Sinhá
      cacunbuca é faca de cozinha
      qui vem lá de Mucungê
      Mucungê qui vem de barra afora
      barra afora qui é saco de pecadô

      Nêga ti qui vende aí
      é arroz de Maranhão
      meu Sinhô mandou eu vendê
      na cova de Salomão



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