• Largo do Pelourinho 19, Salvador
     M Pastinha (entrevista) 
     Raimundo das Virgens Natividade (cantoria) 

    jul/1963

    A ACADEMIA DE M PASTINHA

    M Pastinha botou sua capoeira no Largo do Pelourinho 19 em 1955. A academia foi situada no segundo andar do casarão amarelo e o velhosmestres.com pesquisando as fotos da época fez a planta do piso dessa grande escola (veja abaixo).

    Um dos melhores anos da escola certamente foi o 1963, quando entre outros visitantes apareceu a antropóloga finlandesa Helinã Rautavaara (1928 - 1998). Em palavras dela numa carta: «Com o material assim reunido, financiei uma estada de quatorze mêses (de fevereiro de 1963 a abril de 1964) no Brasil, principalmente com o auxílio de eventos de apresentação organizados por universidades e autoridades locais, a fim de coletar o material que será usado como base para o trabalho de pesquisa [..].» Numa outra carta de 13 de setembro de 1963: «Eu sai do Rio no fim de junho e desde então estou aqui na Bahia, que é o estado exótico no Brasil.» Ela tirou várias fotos e gravou uma entrevista com o mestre e algumas cantigas da roda com Raimundo Natividade.

    No final do ano o Raimundo levou a estudiosa a mestre Gato Preto em Mirante do Calabar para fazer a outra gravação da música de capoeira e tirar fotos lá (veja aqui).

    Uma boa dica para reconstruir a academia, que foi tomado das mãos do mestre em 1971, é a direção das táboas do chão. Nos dias de hoje estas são substituídas e pontam à outra direção.

    Um interessante achado que nós perplexou é que lá na academia foram penduradas dois grandes panos amarelos com símbolos da Academia de Capoeira Angola (ACA). Sabemos que o CECA foi ratificado em 1952, então os panos talvéz foram feitos antes. Um pano do mesmo tipo era por algum tempo pendurado na fachada do casarão.

    capoeira
    planta do piso da academia

    capoeira
    o espaço em 2016 (foto: Sven Pruul)

    A antropóloga visitou a academia várias vezes (ou o Pastinha trocou roupas durante a sessão):

    1 2 DE JULHO

    Fotos da academia na terça-feira 2 de julho de 1963, no dia da independência da Bahia, quando um dos panos amarelos teve a adição das letras PASTINHA E SEUS ALUNOS SAUDAM 2 DE JULHO. Podemos identificar nas fotos o M Gigante e o capoeirista Nelson, mas não vemos o mestre Pastinha.

    • «Pastinha e seus alunos saudam 2 de julho»
      M Gigante no berimbau. Sem M Pastinha.
      Largo do Pelourinho 19
      2/jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • «Pastinha e seus alunos saudam 2 de julho»
      M Gigante sentado ao lado do tocador de berimbau. Sem M Pastinha.
      Largo do Pelourinho 19
      2/jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • «Pastinha e seus alunos saudam 2 de julho»
      M Gigante no berimbau. Sem M Pastinha.
      Largo do Pelourinho 19
      2/jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • «Pastinha e seus alunos saudam 2 de julho»
      M Gigante sentado ao lado do berimbau. Sem M Pastinha.
      Largo do Pelourinho 19
      2/jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    2 de julho

    2 A GRAVAÇÃO DE 1963

    Fotos da academia, o mestre em terno cinza, o outro pano sem as grandes letras, que ficou em frente das janelas. Numa das fotos podem ver o Raimundo Natividade cantando para o microfone do gravador da Helinã Rautavaara (escuta abaixo). Os berimbaus não são os que vemos nas fotos da categoria 1.

    • Gravação de 1963
      M Raimundo Natividade (agogô) e M Pastinha (atabaque)
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • Gravação de 1963
      M Raimundo Natividade (agogô) e M Pastinha (atabaque)
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • Gravação de 1963
      M Raimundo Natividade (microfone)
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • Alunos de M Pastinha
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    Gravação de 1963

    3 PASTINHA EM ROUPA BRANCA

    Fotos da academia, o mestre em roupa branca, o pano sem as grandes letras.

    • M Pastinha jogando (roupa branca). Grande público.
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • M Pastinha jogando (roupa branca). Grande público.
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    M Pastinha jogando

    4 PASTINHA EM CALÇA PRETA

    Fotos da academia, o mestre vestido de branco e preto, o pano sem as grandes letras.

    • M Pastinha jogando (roupa preta e branca). Grande público.
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • M Pastinha jogando (roupa preta e branca). Grande público.
      Largo do Pelourinho 19
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    M Pastinha jogando

    5 FORA DA ACADEMIA

    Fotos feitas fora da academia, o mestre em tudo de branco. Identificamos o mestre Gigante, o Nelson e o Raimundo Natividade nos berimbaus.

    • M Pastinha jogando (roupa branca), M Gigante no berimbau. Grande público. Tocadores em ternos.
      local?
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    • M Pastinha jogando (roupa branca), M Gigante no berimbau. Grande público. Tocadores em ternos.
      local?
      jul/1963
      Acervo: Helinä Rautavaara

    M Pastinha jogando



    📻 Velhos Mestres

    M Pastinha e *Raimundo Natividade em 1963!
    < >
    • 01.
      Introdução em 96
      5:34
    • 02.
      Entrevista
      15:47
    • 03.
      Bahia, nossa Bahia*
      7:55
    • 04.
      Tava em casa*
      7:21

    M Pastinha e *Raimundo Natividade em 1963



    Transcrições

    • Apresentação por Helinä Rautavaara, 1996

      -

      Transcrição e tradução de "portunhol" por Hilton Teimosia Sousa (fonte), adições e tradução a inglês por Sven Cajueiro.

      Helinä Rautavaara:

      [..] Em todo caso, todavia estamos durante a minha primeira visita [..] Bahia. Eu começava a encontrar coisas, e claro, me falaram sobre Mestre Pastinha - que ainda àquela época não era cego. Tinha sua academia, dirigia sua academia, às vezes jogava... Eu até tenho uma foto, muito muito ruim porque foi tirada com aquelas máquinas de 2 dólares - mas ele está jogando mesmo. Em sua academia, é claro. Era fundamento Angola... o verdadeiro. Angola... E uns dos mais velhos, senão primeiros na Bahia.

      Claro, a capoeira é uma tradição muito antiga, tem seus heróis durante a escravidão. A escravidão não foi tanto tempo atrás. Eu tenho entrevistas... Entrevista na casa do Waldemar da Liberdade, que também é muito famoso capoeirista. Tenho uma entrevista com um velho - ou foi velha, não me recordo mais - que foi escravo, nasceu escravo. Oh! Então, tantas recordações há na Bahia. Ora, se perderam todas... Me disseram que se perderam, que deixaram perder tudo, tudo, tudo. E a música mesmo... Influenciada de discos, de rádio e televisão. Já não existe nada de folclore autóctone, tradicional. Já se mudou, hoje.

      Em todo caso, me chamaram a Mestre Pastinha. E claro, Mestre Pastinha, como dirigia sua academia, ele me apresentava a um jovem e eu fui a ele dizendo que queria gravar. E ele me apresentou esse jovem, baiano, alto, forte e bonito, que se chamava Raimundo*. Preto, preto, preto. Angola! Em todo caso ele me apresentava, ele como um guia, como uma pessoa que me ensinaria e guiaria, e ainda ele me cantou. Estava cantando capoeira amarrado, com todos lá, bem [como] essa tradição.

      E agora aqui vamos escutar essa gravação, que verdadeiramente é clássica, muito, muito clássica. E ainda posso [..] essa musical. Porque Raimundo sabia cantar. Depois comecei a andar com ele pelas festas de largo, e às vezes... Ele tinha um pouco de jeito de africano. Por exemplo, quando estávamos descendo ladeira, ele não andava comigo, andava um pouquinho atrás. E me lembro da polícia vindo me dizer: «Sabe que esse sujeito aí está seguindo você?». Queriam me advertir que era perigoso. E eu ficava rindo: «Não, é meu camarada...» Mas como eu disse na outra fita, naquela época, durante minha primeira visita, 63-64, eu não tinha nenhum romance, não tinha amores. Então o livro de Jorge Amado foi realmente uma novela. Somente depois da volta da África a Bahia eu comecei a andar com DiMola. E estávamos sempre rindo que somente depois eu estava vivendo os acontecimentos do livro de Jorge Amado que ele tinha escrito anos antes**.

      Em todo caso [está] aqui - depois eu tenho entrevistas com Mestre Pastinha em outras fitas. Se couberem, eu vou juntá-las aqui, se não, vai ser em outra fita. Mas essa é a primeira gravação da capoeira de Angola, 1964***.

      *Raimundo das Virgens Natividade
      **Jorge Amado escreveu a Tenda dos Milagres em 1967. Descreve um romance entre brasileiro Pedro Archanjo e uma finlandêsa chamada Kirsi. Helinä Rautavaara visitou Brasil a segunda vez durante 1969–1971.
      ***Helinä Rautavaara ficou no Brasil de fevereiro de 1963 a abril de 1964. É muito provável, que a entrevista com M Pastinha aconteceu durante o mesmo tempo que foram feitas as fotos na academia de M Pastinha cerca de 2 de julho de 1963.

    • +

      Entrevista por Helinä Rautavaara, 1963

      Transcrição e tradução de "portunhol" por Hilton Teimosia Sousa (fonte), adições por Sven Cajueiro.

      Helina Rautavaara (HR): Eu queria que me contasse um pouco, desde que ano começou como capoeirista?
      Mestre Pastinha (MP): Desde 1910.
      HR: E em que ano fundou essa capoeira?
      MP: Em 1941.
      HR: Por favor, me explique um pouco mais sobre o que é a capoeira. Eu já sei, mas me explique.
      MP: A explicação que eu tenho? Que é da capoeira?
      HR: É.
      MP: Sobre a origem dela?
      HR: Sim, sobre a origem.
      MP: A origem é africana.
      HR: E onde você aprendeu?
      MP: Aqui na Bahia.
      HR: Em que ano?
      MP: Aos 10 anos de idade.
      HR: E de quem aprendeu? E quem lhe ensinou?
      MP: Um africano.
      HR: Como ele se chama?
      MP: Se chamava Benedito.
      HR: Mestre de angola.
      MP: Angola!
      HR: E... Diz-se que a capoeira é uma luta, mas que agora está proibida como luta...
      MP: Não... Ela não está proibida como luta não. Ela está no íntimo do homem. Na hora que ele encontra um rival, ele então se manisfesta com ela em ato de luta. Agora quando estamos em ato de alegria, ela passa a ser dança.
      HR: Na sua academia, há quanto tempo está nesse lugar? Aqui no Pelourinho?
      MP: No Pelourinho, desde 1952*.
      HR: O senhor quer me contar algo de sua vida, alguma coisa, anedota, alguma coisa de sua vida como capoeirista? Você foi ao Rio, a São Paulo?
      MP: Rio, São Paulo, Brasília, Porto Alegre...
      HR: E para o estrangeiro também?
      MP: Ainda não. Tive uma oportunidade que eu perdi, que tinha que ir à Argentina. Mas porquê recebi um convite de São Paulo, então ficou revogado. Para eu vir a São Paulo, deixei de ir à Argentina.
      HR: E as rapazes.. Em que idade tem que aprender capoeira?
      MP: Em que ano?
      HR: Em que idade.
      MP: Não, ele aprende de qualquer idade. Em qualquer idade pode aprender.
      HR: Esses rapazes que estão aqui, são trabalhadores, são estudantes?
      MP: É... São trabalhadores, operários, estudantes, funcionários, empregados no comércio. Tem de tudo aqui.
      HR: E a capoeira é somente um passa-tempo.
      MP: É.
      HR: E eles vêm aqui no seu tempo livre?. A capoeira não dá vida?
      MP: Não.
      HR: Mas você, o que faz? Você vive da academia?
      MP: É.
      HR: E... Que modificações novas aconteceram aqui? Como era a capoeira antes?
      MP: Antes?
      HR: Era o mesmo?
      MP: Era a mesma coisa. Era a mesma coisa. Não tem modificação nenhuma. A modificação é a consideração de um homem para outro. Se ele tem a vocação, toma em ato de alegria ou em festa, então nós jogamos ela com mais obediência, com mais técnica. Agora, quando passar o ódio, ela então modifica também, vira para luta. Em ato de alegria, é para dança. E no ato do ódio, já sabe como é: é para a violência.
      HR: Diga-me uma coisa. Você pessoalmente não sai mais na rua?
      MP: Não, não, não...
      HR: Mas apresenta a capoeira em Boa Viagem. Em que festas apresenta? Em Santa Bárbara. Em, em... Conceição...
      MP: Em Santo Amaro, Cachoeira.
      HR: Boa Viagem...
      MP: Boa Viagem. Eu estou em todos os lugares. Onde sou convidado a ir, eu vou.
      HR: Sim.
      MP: Estamos aqui prontos para atender qualquer finalidade, seja para qualquer lugar. Aonde se interessarem por ela, eu também me interesso em ir.
      HR: Onde você acha que a tradição de capoeira é mais puro? Aqui mesmo?
      MP: É...
      HR: O que pensa de Mestre Bimba?
      MP: Nada tenho a responder. A finalidade é outra e eu não posso introduzir uma finalidade... Agora nessa aqui, eu sei responder por ela. Agora lá sobre o outro... Sei que ele é um... A respeito do Bimba, eu não posso dar a finalidade. Porque ele tem a finalidade dele. Só quem pode declarar é ele mesmo.
      HR: Claro, claro... Mas você acha que... Ele disse que representa uma tradição baiana. Você crê que é muito baiana?
      MP: Ele é baiano também. A tradição é a mesma. De mim para ele, de ele para mim, penso que não há modificação nenhuma.
      HR: Você mestre representa mais uma tradição africana, angolense. Ele apresenta outra tradição mais...
      MP: Angola! Ele apresentou então em outra modalidade. Sobrenome de regional. Ele apresenta ela com o sobrenome de regional. Mas ele é angoleiro, ele aprendeu angola.
      HR: Era, era...
      MP: Ele é tão angoleiro quanto eu sou, aí eu não desmereço ele...
      HR: E os outros como Waldemar e Caiçara... São discípulos seus?
      MP: Aqui para nós, eu não posso dar a finalidade do outro. Só posso dar a minha. Porquê eu só posso apresentar a minha, não posso apresentar a outra.
      HR: Não, não, eu não perguntei isso. Eu perguntei somente como tradição africana.
      MP: É a mesma, a tradição é a mesma. Agora eles tem a declaração deles diferente. Eles aprenderam com outro mestre. Eu não posso dizer nada.
      HR: Que planos tem para o futuro? Tem algum plano para modificar, fazê-la maior? Tem algum plano para o futuro?
      MP: O futuro dela é esse mesmo. Da evolução do homem. Aí é somente a evolução do homem. Mas ele tem que se manifestar dentro dela mesmo. No mesmo ritmo, não pode sair fora...
      HR: Me diga uma coisa... Que significado tem quando eles começam cantando e saúdam assim. Uma saudação. Tem algum sentido religioso?
      MP: Ela é religiosa. Vem da mesma religião que tem o candomblé. Tem o batuque, o samba. Ela é da mesma parcela. Agora, com a modificação, um pouquinho diferente. O manifesto é um pouquinho diferente. Mas a parcela é a mesma, a religião é a mesma.
      HR: Alguém me disse que há uma rivalidade entre candomblé e capoeira...
      MP: Não há rivalidade... É unida.
      HR: Em algum livro eu li que há uma briga entre elas. Não há?
      MP: O capoeirista é o mesmo feiticeiro. Agora eles abandonam mais uma parte por outra. Nós acompanhamos o fetichismo. Nós acompanhamos o candomblé. Não fosse assim, nós não iríamos na casa de candomblé. Não é? Mas é da mesma parcela. Agora um que gosta mais de uma finalidade que da outra.
      HR: Claro, claro, claro...
      MP: Um corre mais por capoeirismo, outro corre mais por fetichismo.
      HR: A revista que lhe prometi, vou lhe mandar da Finlândia. Porque aqui não tem... Do Rio eu podia mandar, porque no Rio tem. Podia mandar alguma fotografia para poder [inaudível].
      MP: Pode mandar. Quanto mais, melhor...
      HR: Aqui não tenho, não tenho nada comigo, mas no Rio posso conseguir...

      * O CECA foi registrado em 1952, mas o mestre se mudou para Pelourinho 19 só em 1955.



    Local da escola de M Pastinha

    Centro Esportivo de Capoeira Angola no Pelourinho


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