Belo Horizonte
CONGRESSO DE FOLCLORE
setembro de 1964
M Gildo Alfinete em M Zoião, 1999:
«A primeira viagem do grupo com a minha participação foi em 61 [provávelmente em 64 como mostramos abaixo - velhosmestres.com], quando viajamos para Belo Horizonte a convite da Universidade Católica, fazendo parte da comitiva: Mestre Pastinha, eu (Gildo Alfinete), Roberto Satanás, João Grande, Albertino da Hora e Toinho.»
Joares Marcelo dos Santos Patines em 2021 aos velhosmestres.com:
«Dizia meu pai [Juares Fioravante Patines, que tirou as duas fotos] que as passagens foram bandcadas por algum político e estavam várias pessoas de outras partes do Brasil. O povo do Rio Grande do Sul se misturou bastante com o povo da capoeira e sairam bastante pra jantar e conversar. Mestre Pastinha se interessou bastante pela dança do facão e pela chula [dança]. Dizia meu pai que Mestre Pastinha já não enxergava direito, mas conversava bastante.
Na foto da sacada está o meu avô fumando um cigarro e o povo de Mestre Pastinha na ponta [esquerda] da sacada.»
Imagens
CAPOEIRA QUE É BOM NÂO CAI
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-CAPOEIRA QUE É BOM NÂO CAI.
Regina Beker
Fotos Antonio HernandezCapoeira que é bom não cai. Mas, se um dia êle cai: cai bem. Quem diz muito que vai: não vai. Assim como não vai: não vem. Quem de dentro de si não sai: vai morrer sem amar ninguém. O dinheiro de quem não dá é o trabalho de quem não tem.
Capoeira já mandou dizer que já chegou. Chegou para lutar. Berimbau já confirmou: vai ter briga de amor. Tristeza camará.
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CAPOEIRA JÁ CHEGOU
A noite do Folclore Internacional começa amanhã. Quem teve a boa idéia foi Dom Serafim*. Mestre Pastinha, rei dos capoeiras da Bahia de Todos os Santos já está na cidade com o seu grupo de capoeiras. As apresentações de Mestre Pastinha serão nos dias 19, 20 e 21 do corrente, às 21 horas, no Ginásio da Minas Tênis Clube. E o dinheiro arrecadado vai ser empregado na constução da prédio novo da Universidade Católica de Minas Gerais, que está fazendo festa de aniversário êste mês.
* Serafim Fernandes de Araújo (Minas Novas, 13 de agosto de 1924 – Belo Horizonte, 8 de outubro de 2019) foi um cardeal brasileiro e arcebispo emérito de Belo Horizonte.
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TRISTEZA CAMARÁ
A capoeira existe por ai nestes brasis, atração coreográfica de festas domingueiras do povo humilde e crioulo, enfeitando as feiras com seus movimentos e seus sambas coloridos. E como no futebol, o pé mestiçado e agilimo, ganha asas mitológicas para derrubar os valentes cabeçudos.
Arte e bom humor, negro e popular, se juntam para divertir os olhos turistas, tem os toques propícios do berimbau de muito ritmo para a formação da roda do brinquedo dos filhos do povo. Os torcedores de olhos brancos bolando nas caras negras cantam com gengivas vermelhas a glória dos meninos lutadores. E policiam a roda de capoeiragem para impedir intromissões de abelhudos e o enfraquecimento do ginastas com suas copias estimuntantes.
A coisa só termina quando o mais fraco apela para a retirada estratégica, ou a exaustão e o suor pegam os capoeiras de jeito, para mostrar que não haverá vencidos nem vencedores. E a música, que se fazia ora agitada e violenta, ora lenta e cadenciada – acompanhando o movimento dos capoeiras, decresce e morre no arranhado macio dos caxixis. Exceto, quando é briga de amor.
Várias modalidades de capoeiras são praticadas no Brasil, principalmente na Bahia, onde o sangue negro se misturou mais nas gentes para fazê-los amar com intensidade as coisas puras do povo anônimo. São Bento Grande, São Bento Pequeno, Mandinga Lisa e Benguela – jôgo com emprêgo de arma branca – são tipos de capoeira igualmente nobres e responsáveis. E existem escolas muito especializadas como a Academia do Corta Braço, no bairro da Liberdade e o Centro de Capoeira de Angola, na ladeira do Pelourinho. Lá é que o mestre Pastinha, décano dos capoeiras da Bahia, inicia meninotes nos segrêdos da ginga e do bamboleio.
Há nomes que são sempre lembrados. Samuel Querido de Deus, Besouro, Onça Prêta são citados constantemente pelos mestres atuais da capoeira de Salvador. Manteiga, Inspetor, Chico Zabelê e Mané Urubu, que era de espalhar soldados no arrasta-pé, antes de confinar-se no bairro do capoeirismo baiano.
História de capoeira nem sempre é alegre, mas a história do Chico Zabelê é que é mais triste. Rápido nos botes como a jararaca êle se fez mais temido do que a cobra perigosa. Fazia mercado, vendendo peixe fresco, que êle mesmo pescava. Se havia sururu com fiscais da Prefeitura e soldados da polícia, era hora do Zabelê dar pernadas para defender os compadres mais fracos. Quando via que a coisa estava preta demais, Chico não se fazia de herói: dava no pé e corria a bom correr. Não sem antes derrubar os mais bravos de funcinheira no chão.
Certa manhã, os homens da lei baiana arquitetaram plano sórdido. E quando a briga ferveu pularam magotes de valentões em cima do Chico, enquanto mãos criminosas cerravam os portões do mercado. A vaga caiu de cheio no Chico que foi dominado e amarrado solenemente pela soldadesca. Aí colocaram o Zabelê deitado, com as pernas apoiadas num tronco liso de peroba. E deram de marreta nos seus joelhos, quebrando-lhe as duas pernas combativas. Tristeza camará.
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BRIGA DE AMOR
Os negros bantus trouxeram do Congo reservas de gingas, negaças e bamboleios. Tudo dentro do ritual complicadíssimo para agradar aos santos. E era parte importante a música do berimbau, do pandeiro e do reco-reco.
A liturgia crioula foi ganhando angoleses e atemorizando brancos feitores. Negros não podiam portar armas, mas não tinha êsse branco armado e de pé que ganhasse do negro deitado e descalço.
Veio a invasão holandesa e os negrões andaram mais atrevidos nas Alagoas. E subiram a Serra da Barriga mais de 20.000 quilombolas de ambições republicanas. Criaram uma cidade fortificada, sob o comando de Zumbi. Havia naquelas bandas coqueiros e palmeiras, que deram nome à República dos Palmares.
Mas os crioulos não viviam só de côcos. Faziam expedições guerreiras para o saque das fazendas da vizinhança. Libertavam os colegas do cativeiro e arrancavam as necessárias provisões de bôca. A capoeira já não era usada apenas como liturgia: virou arma dos guerrilheiros quilombolas.
Vinte quatro expedições muito bem armadas tentaram destruir a República crioula. E nada. Os negros de pés descalços valiam mais que bacamartes modernos, espadas e cavaleiros. Foram precisos 7.000 portugas dos bravos e um Domingos Jorge Velho para acabar com o Palmares do negro Zumbi e seus capoeiras.
Correu tempo grande de grandes adultérios. A mestiçagem e a mulataria menos dócil, mais arrogante e mais destra conservou a tradição capoeira para as lutas de rua. D. João chegou, viu a coisa como ia, e temeu pela própria corôa real, por causa dos capoeiras vingadores dos brancos desmandos dos capitães do mato. E baixou decreto proibindo a capoeira.
As arruaças continuaram, com Pedro Primeiro, Pedro Segundo e recrudesceram com a República proclamada de Deodoro. E o Marechal achou jeito de aquinhoar capoeiras e vadios com prisões celulares de dois a seis meses, com a jurisprudência do Código Penal nôvo. Ser chefe de capoeira e pertencer a bando foi considerado agravante com punição codificada em dôbro.
Foi quando os primeiros políticos sabidões passaram a usar capoeiras e bambas como cabos eleitorais. E formaram jagunçada experiente para garantias de seus distritos politiqueiros. Deodoro ficou fulo e mandou Sampaio Ferraz desterrar capoeiras politicos para Ilha de Fernando Noronha, como qualquer subversivo de hoje.
Mas a subversão capoeira já estava enquistada no nobre sangue mulato. Foi a pouco e pouco racionalizada, sistematizada até ganhar fôros de ginástica nacionalista com o surgimento de escolas especializadas. E até «Guia da Capoeira», em letra de fôrma, saiu nas ruas da Bahia, em 1907.
A capoeira foi virando o grande esporte crioulo da nacionalidade. Mas briga de amor é até hoje o único incentivo da capoeira.