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     WALDEMAR HOJE É SÓ DE BERIMBAU MAS NINGUÉM SE ENGANE 
    10/out/1970

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      Salvador, 10 de outubro de 1970

      Colaboração de: Cristina Cardoso

      Waldemar hoje é só de berimbau mas ninguém se engane

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    Diário de Notícias, 10/out/1970


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      Mestre Waldemar do Pero Vaz, além de fazer os melhores berimbaus da Bahia, é um grande capoeira dos melhores entre os bambas do passado, tendo „vadiado“ com Pastinha, Bimba, Totonho Maré e tantos outros. Hoje só vadia aos domingos, quando de sapato branco, calça branca, camisa de quadros, relógio e anéis de ouro, volta aos velhos tempos da lutas de seu esporte favorito, de que fala com entusiasmo sem falar mal de nenhum capoeira, sem falar mal de ninguém. Trocou a capoeira pelo berimbau que faz com todo amor, e desafia: «São os melhores da Bahia, sim senhora e aposto que no toque ou no canto venço qualquer capoeira ou tocador de berimbau».

      Grande capoeira, Waldemar Rodrigues da Paixão, o mestre Waldemar Pero Vaz, onde mora desde 1940, não se profissionalizou, nem fundou academia, mas fez nome e discípulos dentro da capoeira, que trouxe da Ilha de Maré para mostrar que não é só na cidade do Salvador que dá gente boa na luta e na Angola. E mostrando um berimbau colorido, listrado de amarelo, verde, branco e vermelho, com diversas „medidas“ de Senhor do Bonfim: «Êste é o „Ás de Ouro“, meu berimbau favorito, que trago comigo há seis anos e de onde tiro os toques para chamar os homens para luta de honra no campo de Angola. Quem não acredita venha tirar a teima e ver quem é o bom».

      GOLPE MORTAL

      A capoeira não é luta de morte e o único golpe mortal foi criado por Waldemar, que fala: «O Dentinho de Angola pode matar sim senhora, é curvar o corpo e levar o salto do sapato ao gogó do adversário. Êste golpe eu não ensino aos meus alunos, não quero que êles por acidente possam vir a matar alguém. É o meu pulo do gato.» Mas hoje Mestre Waldemar está cansado e só joga por distração. Mesmo assim, nega que a capoeira esteja em crise, e afirma: «Agora é que a capoeira está evoluindo, ganhando público. Veja, até os senhores me procuram para fazer uma reportagem sôbre ela. Antigamente, não era assim não. Capoeira era marginal, valentão que se metia com a polícia. Hoje até gente bem pratica a Angola».

      TERNO BRANCO

      Mestre Waldemar não conhece a capoeira Regional. Para êle só existe a Angola, criada no Brasil, mas mesmo assim afirma: «Não sei direito como a capoeira começou. Não foi do meu tempo e não vou ficar por aí contando mentiras ou dizendo que conheci gente que nunca vi. O que eu sei, mesmo, é que a capoeira está diferente. Antigamente a gente vadiava de terno branco engomado, sapato impecável e não se sujava. A menos que o adversário fôsse desleal e metesse o sapato na gente. Mas isso era sujo, não é como hoje, que se pega capoeira de mão. No meu tempo só se vadiava capoeira com os pés e a cabeça, numa luta de agilidade e ligeireza, e que valia era ter boa cabeça e pés rápidos».

      COM CAIMI

      «Só estive no Rio de Janeiro uma vez», continua Mestre Waldemar, «mas valeu a pena. Foi em 1953, quando me apresentei no show de Dorival Caimi „Acontece que sou baiano“ e lá fiquei durante 45 dias. Sabe, minha senhora, quando as oportunidades surgiam e eu dava o meu preço para me apresentar, vinham outros capoeiras que cobravam mais barato e atravessam no meu caminho e lá se ia a minha viagem». Aluno de Mestre Talabi de Periperi, Waldemar do Pero Vaz é capoeira de boa paz que não critica ninguém, apenas elogia os grandes do passado: «O finado Agripino de Periperi, Pastinha, Totonho de Maré, Barbosa do Cabeça carregador da pesada, o capoeira de melhor técnica que já vi, Onça Preta, que foi para o Rio e não sei se está vivo ou morto».

      BERIMBAU E MÚSICA

      Hoje Waldemar do Pero Vaz dedica-se mais aos toques e aos berimbaus e faz músicas. Uma delas fala até em ir para a lua: «Eu já vivo de enjoado de viver aqui na terra / mamãe eu vou pra lua / já falei com minha mulher e ela me respondeu / nós

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      vamos se Deus quiser». O que prova que se é capoeira do passado é um homem bem do presente. E aponta os capoeiras do futuro que foram seus alunos. José Cabelo Bom e Zacarias da Boa Morte continuadores da sua tradição. «Mas o que quero fazer agora mesmo, são os berimbaus, com som tão gostoso, comandando a Angola, na Cavalaria, São Bento Grande, São Bento Pequeno» e concluiu: «quem quiser me ver venha aqui domingo, no Pero Vaz quando vou entregar um berimbau de fabricação minha, como homenagem a mestre Caiçara».

      DESUNIÃO

      «A grande tragédia», conclui Mestre Waldemar, «é que a Bahia está entupida de mestres de capoeira, ninguém mais se entende mas o povo é o juiz eterno e infalível e êle acaba apontando quem são os verdadeiros mestres, os donos da verdade. Mas o que é pior é que cada mestre fala mal dos outros, não há união, ninguém pensa que a classe deve ser unida. Olhe, dona, veja os exemplos dos médicos: uma pessoa está se tratando, um médico dá um remédio e o doente vai para lá no Nina [hospital Nina Rodrigues – velhosmestres.com]. Outro médico examina, vê que o remédio causou a morte, pergunta quem tratou, mas não anarquiza com o colega. Êles são uma classe unida. Mas êstes capoeiras são de briga até entre êles».


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